Mitos sobre a TCC: para além dos limites da abordagem clássica

Todos os profissionais de Psicologia sabem que há diversas abordagens e formas de entendimento acerca do ser humano. O público geral não costuma ter esta informação o que torna as pessoas perdidas quando este assunto surge ou quando há a necessidade de se buscar uma psicoterapia.
O que poucos sabem (incluindo profissionais da Psicologia) é que dentro da Terapia Cognitivo-Comportamental (que na verdade são TerapiaS Cognitivo-ComportamentaiS) há várias abordagens. Ao longo da minha trajetória na Psicologia tenho ouvido muitas críticas sem fundamento acerca da TCC como abordagem, incluindo:

1. É muito mecanicista.
2. Governa o sujeito.
3. Condiciona as pessoas.
4. Trata somente os sintomas e deixa "o que interessa" de lado.
5. Não leva em conta a emoção, só o racional.
6. É uma mera aplicação de técnicas.
7. É elitista, pois envolve um nível de raciocínio que pessoas mais simples não entendem.
8. Serve somente para dar conta de sintomas e aumentar a produtividade do sujeito, servindo aos interesses do Capital.
9. Coloca as pessoas para realizarem exposições sem elas estarem preparadas.
10. Não leva em conta a subjetividade.
11. É superficial demais.
12. É fascista!

Grande parte da razão do desenvolvimento dessas críticas deve-se ao fato de que muitas pessoas desconhecem a TCC de forma mais ampla. Nas próximas publicações procurarei responderei a algumas delas.

1. A TCC é muito mecanicista

Ser mecanicista significa realizar algo de forma mecânica, ou seja, automática, sem envolver muita reflexão. Levando-se em conta o uso de abordagens mais clássicas como a beckiana e a racional-emotiva de Ellis, podemos responder a esta afirmativa de maneira satisfatória.
Beck (1976) publicou um livro intitulado "Cognitive Therapy and the Emotional Disorders" no qual desenvolve alguns aspectos centrais de sua teoria como o modelo cognitivo, as distorções cognitivas e a aplicação do modelo cognitivo à ansiedade, obsessões e neuroses. Muitos desses pontos foram elaborados por ele mesmo e por outros autores ao longo das décadas e até hoje passam por modificações e refinamentos.
A ideia central à qual Beck se referiu em 1976 era a de que há, entre o estímulo e a resposta emocional, algum conteúdo consciente que poderia ser acessado, identificado e modificado e que essa mudança promoveria alteração emocional. Ou seja, mudando a forma como entendemos uma situação, alteramos também a forma como nos sentimos. Parece fácil, mas o trabalho de mudança cognitiva envolve um processo de reflexão intenso no qual a pessoa atendida irá chegar a conclusões diferentes daquelas que costumava ter a respeito de determinado assunto. Dito de outro modo, não é de uma hora para outra que uma pessoa acostumada a pensar de um modo x irá reestruturar seus pensamentos e passar a pensar do modo y. Daí a razão para que os terapeutas que trabalham com essa abordagem invistam em suas formações. Não há receita de como se fazer isso de forma fechada como alguns entendem.


Outro ponto importante desenvolvido por Beck é a questão das crenças que são desenvolvidas pelo indivíduo ao longo de sua trajetória. Crenças são estruturas cognitivas mais enraizadas e difíceis de modificar. Para que ocorra essa mudança, um grande esforço reflexivo deve ser feito, inclusive no sentido de se procurar na história e no dia a dia, evidências que contrariem a crença. Além disso, a ressignificação de aspectos relacionados a ela é fator preponderante para a reestruturação da mesma. Para que isto seja feito, muita reflexão é necessária.
Anos antes da publicação de Beck, Ellis (1962) já havia proposto os princípios da terapia racional emotiva no clássico "Reason and Emotion in Psychotherapy". Neste livro o autor descreve suas 11 crenças irracionais e aponta argumentos que as contestam. O exercício que leva ao desmantelamento dessas afirmações, muitas vezes absolutistas, exige um grande esforço reflexivo, o que também faz cair por terra a asserção de que a TCC é meramente mecanicista.


As abordagens de Ellis e Beck são consideradas precursoras dentro do cenário das terapias cognitivo-comportamentais. A partir delas, muito foi desenvolvido até se chegar em formas de trabalho mais refinadas. Se mesmo abordagens mais antigas podem refutar a afirmação de que a TCC é mecanicista, o que dizer de modelos mais recentes? Em oportunidades futuras isto será discutido.

Referências:

Beck, A.T. (1976). Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: Meridian.
Ellis, A. (1962). Reason and Emotion in Psychotherapy. New Jersey: Citadel Press.

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